sábado, 31 de julho de 2010

Era uma vez (1)

Era uma vez um pássaro que vivia numa gaiola. O pássaro sentia-se muito feliz, tinha uma gaiola dourada, muito bem adornada e com florinhas nas esquinas. A gaiola não era redonda e por isso, as flores nas esquinas serviam também para o pássaro não se magoar.
A gaiola deste pássaro era diferente de todas as outras gaiolas; além de grande e bonita tinha uma porta que estava sempre aberta... 
O pássaro sentia-se feliz, muito feliz. Como era linda a sua gaiola! Que sorte ter encontrado uma gaiola assim! Ele era tão feliz que nem precisava sair da sua gaiola. Nunca quis sair, sempre se sentiu tão feliz que não acreditava que conseguisse ser mais feliz lá fora do  que o que era na sua gaiola.
E por isso nunca saiu da gaiola.
Era de facto uma gaiola grande, forte e robusta e o pássaro acreditava que tempestade alguma a destruiria.
Um dia houve um incêndio, a gaiola ficou destruída e o pássaro foi queimado, foi devorado pelas chamas. Devo estar morto, pensou, olhando para si e á sua volta e percebendo que o que outrora foi a sua linda gaiola, estava agora reduzido a um monte de cinzas, que ele ficara sem penas e que não reconhecia o sítio onde estava.
Para ele, tudo era novo. Não reconhecia nada, não se reconhecia, não sabia quem era. Quem é esta criatura sem penas?, pensava para si. Este não sou eu... não pode ser! Deve haver um engano! Isto é um pesadelo!  Em breve vou acordar e perceber que estou dentro da minha linda gaiolinha dourada! Não! Vou fechar os olhos com muita força e isto vai passar! Isto vai passar! Isto não aconteceu! Não pode ser! 
Mas podia, e o pássaro depressa percebeu que não era engano, que não estava a ter um pesadelo, que a sua gaiola tinha mesmo sido destruída pelas chamas e que não tinha penas para se proteger.
Nunca tinha saído da gaiola, por isso não conhecia o mundo e  o mundo não o conhecia a ele.
Estava só e sem casa.
Sentiu-se triste.  
Chegou a desejar ter sido, também ele, consumido pelas chamas. Teria sido preferível, pensou, era menos doloroso.
Questionou-se. Olhou para trás, para a vida que tinha vivido, tentando perceber o que significava tudo isto.
Não faz sentido, pensava, isto tem que ter uma explicação...
Com muita cautela começou a caminhar devagar pelo meio dos escombros. Sentia-se atordoado. Estava confuso, não sabia o que fazer e que caminho tomar para sair dali, sabia apenas que tinha de se afastar rapidamente pois a qualquer momento podia haver uma derrocada. 
Titubeantemente foi-se afastando, tentava não olhar para trás, mas cada vez que ouvia um barulhinho lá se voltava ele na esperança de ver a gaiola de pé. E tantos barulhinhos ouviu e tantas vezes voltou a cabeça para trás que desistiu, percebeu que aquela gaiola estava mesmo destruída.